Thémistocle é a tragédia de um eminente oficial grego exilado na corte de Xerxes em plena guerra greco-persa do século V a.c.. A obra foi escrita em 1648 pelo padre Du Ryer, talvez um dos melhores tragediógrafos da primeira metade do século. E o classicismo francês do XVII é um daqueles períodos tradicionalmente férteis em pérolas literárias, como o próprio século V a.c. na Grécia, o XII com os trovadores, o XVI na Itália, o XIX, etc. A tragédia clássica francesa é um gênero de obras muito belas, que, embora seja pouco lido (sobretudo por ser pouco traduzido), possui uma visão de mundo muito interessante, cheia de alegorias, metáforas, dilemas e ambiguidades. Os personagens se dividem entre duas forças extremas: a honra e a paixão. A tragédia é como um espaço isolado, um labirinto regido por essas forças irresistíveis.
Temístocles é um eminente líder das frotas gregas responsável por esmagar os persas em batalhas ocorridas antes do início da tragédia. É, no entanto, desprezado por seus concidadãos e malquisto na Grécia inteira em razão de acusações relacionadas a disputas de poder. Refugia-se na corte do imperador inimigo, Xerxes, com quem mantém uma relação de reconhecimento recíproco de honra e valor. Embora inimigo, Xerxes acolhe Temístocles e este aceita o abrigo adquirindo uma dívida de honra que será decisiva. Alguns personagens da corte persa veem a situação com espanto indignado, e o crescimento do valor de Temístocles aos olhos do imperador faz Artabaze, o primeiro favorito da corte, tramar a decadência do grego. Outro motivo de Artabaze tramar contra Temístocles é seu amor por Palmis, que o imperador termina por prometer a Temístocles. A intriga amorosa é sempre fundamental na tragédia francesa. Enfim, Artabaze faz com que Xerxes imponha uma condição à união entre Temístocles e Palmis, que é o grande dilema e o ponto alto da tragédia: o enlace só se dará se Temístocles investir contra a Grécia com as tropas persas. De modo que o grego, no dilema trágico característico do classicismo, se vê dividido entre a honra e o amor, entre a pátria mãe e sua paixão. Realmente, interessante. Mas o desenlace, a meu ver, decepciona: Temístocles, negando macular sua honra, negando atacar seu país, ainda que ingrato, torna-se, aos olhos do grande persa, digno da mão da princesa Palmis, de modo que o plano de Artabaze resulta no contrário do intencionado. E, assim, a tragédia Thémistocle, como várias outras do classicismo francês, tem um estranho final feliz, o que é curioso quando você vê escrito em letras garrafais na capa da obra: “tragédie“. Mas o classicismo francês é assim, tragédias sem mortes, e com um final confortador em que o leitor percebe a intenção que o autor teve de arrancar um ‘ufa!’ da plateia. Nem todas as tragédias francesas são dessa forma, algumas mantêm o sangue e a angústia, mas não é o caso de Thémistocle.
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